Penteados afro fortalecem autoestima e ancestralidade no interior de SP; entenda a importância da tradição
20/11/2025
(Foto: Reprodução) Penteados afro fortalecem autoestima e ancestralidade no interior de SP
Para além da estética, os cuidados com os cabelos afro são um ato de resistência. No Dia da Consciência Negra, neste 20 de novembro, o g1 conversou com trancistas e pesquisadora de cultura afro-brasileira, no interior de São Paulo, para reforçar a importância dos penteados tradicionais.
A trancista de Presidente Prudente (SP) Milena Trindade, de 21 anos, conta que o interesse pela profissão apareceu de forma natural. Ela trabalha há cinco anos na área. "No começo, tudo surgiu por curiosidade. Eu queria aprender a trançar para fazer em mim mesma", relata.
"Uma parente fez uma trança no meu cabelo, mas eu sabia que ela não duraria o tempo que eu precisava. Foi aí que comecei a estudar para refazê-la sozinha", afirma a jovem.
Milena lembra que, na época, o penteado não saiu como ela imaginava. Foi então que decidiu continuar treinando — primeiro no próprio cabelo e, depois, nos das amigas — até aperfeiçoar a técnica. "Eu não conhecia muitas profissionais em Prudente, então decidi aprender para fazer no meu próprio cabelo."
"Ser trancista vai muito além de criar um penteado bonito ou que está na moda. É sobre autoestima, arte e representatividade", destaca Milena.
Modelo de trança nagô freestyle, feita por Milena Trindade, em Presidente Prudente (SP)
Milena Trindade/Arquivo pessoal
O penteado é uma forma de elevar a autoestima e oferecer acolhimento, segundo a jovem. "Muitas clientes chegam cansadas ou desanimadas e saem renovadas, mais felizes e confiantes. As tranças se tornam um momento de cuidado e transformação."
Além disso, as tranças feitas por Milena ajudam também no processo de transição capilar e na aceitação do cabelo natural, que ainda é cercado de muita pressão e preconceito.
"As tranças fortalecem a presença e a valorização do cabelo afro e da estética negra no dia a dia."
Para incentivar o público e divulgar o trabalho, Milena já fez tranças em meio aos pedestres do calçadão de Presidente Prudente. O procedimento mais recente, gravado no início de novembro deste ano, foi na Avenida Paulista, uma das principais da capital de São Paulo. Assista ao vídeo acima.
Autoestima
"Muitas pessoas passam a se reconhecer de verdade após serem trançadas, entendendo que fazem parte de uma cultura rica e poderosa. As tranças despertam orgulho, pertencimento e conexão com a própria história", reforça Milena.
Em média, a trancista atende entre 60 e 75 clientes por mês, enquanto o tempo para a produção do penteado varia de acordo com o modelo escolhido: as mais rápidas levam em média uma hora e meia, enquanto as mais detalhadas podem chegar a 12 horas.
Milena Trindade é trancista há cinco anos em Presidente Prudente (SP)
Reprodução/Balles Maker
Já os valores vão de R$ 60 a R$ 450, dependendo do modelo escolhido e da média de tempo necessário para a execução. "Além disso, eu atuo como apoio: escuto, aconselho e acolho histórias que vão muito além do que acontece na cadeira. Trançar é abraçar tudo isso", continua.
As tranças mais procuradas são as soltas, no cabelo inteiro, como os modelos de box braids, goddess braids, gypsy braids, além da procura pelo penteado nagô, feito de maneira mais rápida e com duração um pouco menor que as anteriores.
Já os atendimentos feitos por Milena são, principalmente, em cabelos cacheados e crespos, os mais comuns para a aplicação de tranças. Quanto ao cuidado necessário, a trancista descreve:
"Sempre oriento minhas clientes a usarem touca ou fronha de cetim, pois isso ajuda a preservar os fios alinhados e evita o frizz. Também é importante higienizar as tranças corretamente, lavando com shampoo na raiz e deixando escorrer pelo comprimento."
Modelos de tranças feitas por Milena Trindade em Presidente Prudente (SP)
Milena Trindade
Pertencimento
Gleice Barbara Marciano, gestora em docência e cultura africana, reforça a importância do cabelo black. "Para nós, nosso cabelo representa quem somos e como somos. Devido ao processo de escravização do povo negro, nosso cabelo sempre foi chamado de feio, duro, palha de aço…"
"Porém, com a nossa resistência, provamos que nosso cabelo é maravilhoso e bom, porque podemos fazer o que quisermos com ele: trançar, alisar, fazer aplique, cortar, enrolar, deixar solto num black power e tudo fica bom", continua.
Segundo a pesquisadora voluntária e coordenadora geral do Núcleo de Cultura Afro-brasileira (Nucab) da Universidade de Sorocaba (Uniso), o que falta são especialistas em cabelo afro, como é a atuação da Milena, no oeste paulista.
"Observe: as modelos negras internacionais usam a cabeça raspada ou cabelo bem curtinho, porque não tem especialista em cabelo negro e, muitas das vezes, são elas que se arrumam", destaca Gleice.
Gleice Barbara Marciano, gestora em docência e cultura africana e pesquisadora no Nucab
Rafael Filho/Arquivo pessoal
Ancestralidade
Na família da pesquisadora, o cuidado com o cabelo afro é uma tradição que atravessa gerações. A mãe dela, Thereza Marciano, fundou o primeiro salão especializado de Sorocaba (SP), em 1987, e manteve o atendimento até 2006. O espaço tinha como slogan a frase: "Negro é lindo".
"Lá, tornou-se o point da Negritude Sorocabana, um quilombo, pois não iam somente para arrumar o cabelo com cortes, tranças, apliques e etc., mas também para conversar com os seus, assim como em África", relembra Gleice.
E a tradição continuou com uma das irmãs e filhas de Thereza, Leide Débora Marciano, pedagoga e trancista. "Temos lembranças incríveis de nossa mãe trançando nossos cabelos. Nossa mãe sempre fez tranças desde menina nas amigas."
"Não foi diferente com as filhas. Sempre que trançava nosso cabelo, contava histórias de nossos ancestrais, cantava músicas que gostava e dizia sempre para gostarmos de sermos negros", afirma Leide.
Pesquisadora Gleice Marciano ao lado da irmã trancista e pedagoga Leide Marciano
Gleice Marciano/Arquivo pessoal
As lembranças continuam sendo muito significativas para a família. "Porque continuamos esta tradição com as gerações vindouras que vão passando nosso jeito de ser afro, conduzido pelas falas dos nossos griots", continua a trancista.
✊🏿✊🏾✊🏽O termo griots significa: guardiões da memória e tradição na África Ocidental, atuando como contadores de histórias, genealogistas, músicos e poetas. Eles preservam e transmitem o conhecimento ancestral, mitos, canções e a história de seu povo de geração em geração por meio de uma forte tradição oral.
"Somos da geração que cresceu com muita loira na TV, então, não tínhamos referência. Demorou e, hoje, temos protagonistas afro e com cabelo e estilo de se vestir black", continua Leide.
Ela e outra irmã, Meire Maria, são professoras há mais de 20 anos e sempre usaram tranças, apliques e cabelos soltos, incentivando as alunas a fazerem o mesmo. "É muito bom ver a negritude jovem gostando de si como é", completa Leide.
Modelos de penteado feito por Milena Trindade em Presidente Prudente (SP)
Milena Trindade/Arquivo pessoal
Modelos de tranças feitas por Milena Trindade em Presidente Prudente (SP)
Milena Trindade/Arquivo pessoal
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